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O papel do jovem negro na fantasia nacional

      A literatura fantástica nacional não tem identidade!
      Palavras duras? Talvez! Verdade? Em partes, sim!
      Que os temas e estereótipos da nossa literatura fantástica são basicamente ´´chupados`` dos gringos não é novidade pra ninguém, autores nacionais de vanguarda  geralmente trabalham com uma forma adaptada para o brasileiro de ver os caminhos que já foram trilhados na literatura estrangeira e representar os papéis que já foram representados por outros heróis e vilãs da literatura estrangeira.
      Mas nesse tempo em que andei injetando literatura fantástica nacional nas minhas veias literárias, notei algo que talvez seja novo...não totalmente novo...mas de certa forma original que está surgindo na nossa literatura fantástica nacional:  é um tipo de herói (ou seria anti-herói? ou seria vilão?) que podemos chamar de nosso, talvez esse seja um dos primeiros estereótipos da nossa literatura fantástica nacional: O estereótipo do jovem negro.







   Vamos lá, o que é o ´´Jovem negro``?  O ´´jovem negro`` é um garoto (geralmente de 12-14 anos) proveniente de uma comunidade pobre e em contato com um mundo bem mais violento do que o normal, esse garoto é, dentro do possível, honesto, mas tem que lidar com um mundo opressor e (principalmente) com a sensação de impotência ante a estrutura social (que parece valorizar o ´´mau``, o ´´errado``, etc.)...até que esse garoto tem acesso ao ´´poder`` (seja ele qual for e em que forma for) e as coisas mudam... agora, qual a reação desse garoto em relação ao mundo? Não pode ser vestir uma capa e salvar o mundo, mas é isso que ele quer! Também não pode ser fazer planos pra dominar o mundo, mas é isso que ele quer, também! Isso fica melhor exemplicado se analizarmos 2 personagens da nossa literatura fantástica: Hugo Escarlate (a arma escarlate) e Estêvão (Genoma: projeto versão gaia).


 Vamos começar pelos autores: De um lado temos Renata Ventura e de outro Alexander Macno.
  Renata Ventura é uma universitária moradora de um bairro nobre da zona sul carioca, Alexander Macno é um pedreiro morador de um bairro pobre da zona oeste carioca. Renata lançou seu livro pela Novo Século num programa de ´´apoio`` a novos autores, Alexander lançou pela ´´biblioteca 24 horas`` em 2011 e até onde sei, os livros estão esgotados (possível relançamento pelo projeto100 da NerdPress).
 Por que citar a vida desses autores? Para apontar que 2 autores que não se conhecem, que muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito provavelmente nunca leram a obra um do outro, que vivem em condições sociais COMPLETAMENTE diferentes, escrevendo obras de fantasia de estilos diferentes chegaram ao mesmo modelo de personagem... e depois desse kilômetro introdutório, vamos ao que realmente interessa: o nosso ´´jovem negro``!


  Primeiro as damas, portanto, primeiro Hugo Escarlate de Renata Ventura.
  Hugo é um morador da favela carioca e descobre ser um mago. Hugo, embora  seja, no geral, um bom menino, está entrando para o tráfico...o grande dilema de Hugo é gravitar entre as influências negativas das figuras de poder em sua vida (seus principais ícones de pessoas poderosas são traficantes) e a influência positiva de Capí, seu tutor (uma versão jovem do que seria Gandalf ou Dumbledore, como tutor).
  Como fruto do seu ambiente, sua principal reação a situações estressantes é a violência e o personagem tem um grau de paranóia digno de um presidiário, e seu principal dilema é sobre como usar seu poder de forma a tomar melhor proveito da sua recém adquirida posição. Na trama,  Hugo é obrigado a vender cocaína na escola de magia onde estuda e um dos dilemas pelo qual passa é sobre qual a sua responsabilidade em toda  a desgraça que acontece graças a isso.


 A história de Estêvão é contada de uma forma um pouco mais leve que a de Hugo, tendo em vista que é escrita para um público um pouco mais jovem.
 Estêvão não mora em uma favela, como Hugo, mas mora em um bairro pobre. Não é do tráfico, mas também tem problemas na escola. Seus poderes não são hereditários, são adquiridos em uma excursão da escola (em que vai de uma forma ilícita às custas de dinheiro que rouba da mãe) em que entra em contato com nanorobôs.
 Embora Estêvão não tenha a paranóia de Hugo, tem o mesmo problema em relação ao controle de raiva. Diferente de Hugo que tem que lidar com sua raiva de forma ´´consciente``, os nanorobôs no corpo de Estêvão o fazem perder a consciência quando em níveis elevados de stress.
 Estêvão também é filho de mãe solteira e assim como Hugo tem uma relação turbulenta com a mãe e também tem problemas com autoridade. Embora não tenha traficantes como figura de poder, não tem nenhuma figura de poder a qual recorrer. Suas decisões são atenuadas black out causado pelo stress, mas a pergunta é basicamente a mesma: em um ambiente que te torna violento, qual é o seu nível de responsabilidade pelas ações violentas que tem?


 Resumindo: esteótipo do jovem negro é o do garoto que é moldado por um ambiente violento e se torna por si só um espelho desse ambiente. Ele não é mau, mas vai fazer coisas ruins, ele não é violento, mas vai reagir de forma exagerada. Ele é cercado por questionamentos relativos à sua responsabilidade em relação às consequências de seus atos, e tende a se absolver (estando certo ou errado). Ele vem de uma cultura onde os fortes pisam nos fracos e quando é elevado a um estado de poder, instintivamete reproduz esse sistema e fica confuso por não saber como agir diferente do que aprendeu sua vida toda.

 Esses autores não são famosos e talvez nunca sejam, talvez eles inspirem outros autores ou talvez vão pro vácuo do desconhecido...o importante é que a realidade social do país inspirou 2 autores COMPLETAMENTE diferentes a escrever sobre personagens tão parecidos no meio fantástico, o que prova que essa idéia em si é forte e talvez inspire outros autores (talvez de maior sucesso) a fazer fantasia com um molde mais nacional!





 

Comments

  1. Falou em fantasia eu já adorei.

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  2. Interessante. Em comum o fato de ambos serem cariocas. É ainda pouco (2 livros)para se falar em um clichê ou melhor, um "tipo" da literatura brasileira, mas pode ser um indício.
    Na literatura inglesa temos como "tipo" o cara grande e forte, de cabelos e barba escuros, um pouco bruto, leal e de com coração (muitas vezes ingênuo, mas nem sempre), que auxilia o herói. Só de memória posso citar:
    João Pequeno - Robin Hood
    Piercolo - Morning Star - David Gemmel
    Beorn - The Hobbit - JRR Tolkien
    Hagrid - Harry Potter - JK Rowlings

    ReplyDelete
  3. Cheguei a aplaudir quando li esta matéria. Está caprichadíssima!!!
    Nunca tinha ouvido falar da Renata, só vagamente pelo jornal. Só depois que meus amigos me explicaram sobre ela, fiquei de queixo caído: será ela minha concorrente? (risos)... Desejo todo sucesso a ela.

    Ir para o vácuo do esquecimento? Eu? É uma pergunta muito relativa. Stephen King lavava pratos quando teve seus livros recusados. André Vianco virou motivo de piada numa época em que livros de vampiros eram novidade nesta terra tupiniquim. Tudo depende da força de vontade do autor e do resultado da divulgação de um trabalho de qualidade. Depende de uma série de fatores. O importante é a gente não desistir de atingir nossos objetivos.

    Errata: não trabalho (e nunca trabalhei) como pedreiro. Suas fontes não são confiáveis. Trabalho com construção civil, mas em almoxarifado, o que me permite dar uma rabiscada nas anotações do segundo livro quando meu chefe não está olhando... =)

    Abraços...

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